O Escudo da Fé
“… revesti-vos da couraça da justiça e calçai os pés com o zelo para propagar evangelho da paz, empunhando sempre o escudo da fé…” (Ef 6: 14-17.)
Esta passagem da epístola paulina aos Efésios é uma brilhante metáfora para exemplificar como deve proceder o homem que se propõe e viver em Cristo. A forma do discurso nos faz entender que se trata da preparação para uma eventual guerra. Certamente que ela existe, mas não se vai ao campo de batalha para assassinar o próprio irmão. A luta do cristão aliás, não tem por objetivo senão a destruição do homem velho, arraigado no desconhecimento da ordem que governa o mundo.
Uma luta consigo mesmo, para reformar seus mais íntimos valores e contestar as mais cicatrizadas convicções. Contudo, ele nos alerta ser necessário garantirmos determinados recursos antes de nos colocarmos no combate. Um homem que se propõe a imitar os exemplos do Cristo Vivo não pode tomar suas decisões como quem é levado ao vento, por isso é imprescindível o senso de justiça. A vida em sociedade, na convivência pacífica, não pode existir se os homens não possuem dentro de si este senso de distribuir nossos bens com equidade e destreza.
Além disso, por tratar-se do assunto de mais alta importância na existência humana, o Evangelho da Nova Aliança deve ser valorizado e respeitado como um bem sagrado, concedido pelas mais altas autoridades celestiais. Este sentimento para com os ensinamentos é essencial na sua propagação, para que aquele que o venha receber possa da mesma forma intuir sua verdadeira natureza.
Por fim, Paulo nos adverte a utilizarmos o escudo da fé. Certamente uma proteção contra nossas próprias paixões, desejos primitivos que estão sempre a aflorar e que se não tivermos a fé em Cristo, revelada pelo teor das escrituras, provavelmente iremos sucumbir diante das provações.
Esta passagem, cerca de três século adiante inspirou um grande pensador da filosofia cristã, Agostinho de Hipona, que em sua obra “Confissões”, defende a fé como uma teoria do conhecimento. Não podemos entende-la como apenas uma opinião cega, ela é um meio de se saber sobre a Verdade. O homem por si, tateando com sua razão a esmos não a encontraria jamais, contudo, ao ser presenteado com a revelação da natureza da Verdade, ou seja, Cristo, agora pode utilizar-se de sua inteligência para que esta Verdade possa então ser incorporada em si mesmo. Portanto, existe na visão agostiniana uma hierarquia nestes conceitos, a fé é superior à razão, daí a insistência de Paulo em nos utilizarmos dela para nos protegermos contra os deslizes, pois quando vistos mais de perto, são apenas ações tomadas sem uma fé raciocinada.
Analisando ainda outra passagem do Novo Testamento, Tiago em sua epístola afirma: “A fé sem obras é morta.” Para esclarecer o teor desta afirmação, cita o exemplo de uma pessoa que ele se refere como um “irmão” e vê claramente sua necessidade de vestimenta e alimentação. Digamos então que diante desta situação, nós simplesmente com muita fé, desejamos que esta pessoa siga seu caminho com Deus, mas nada fazemos para auxiliá-la. Trata-se da figuração de uma fé que não age e, portanto, é apenas um adorno do ego. Sem colocar o conteúdo da fé em prática, nada mudamos em nosso interior e também no destino do mundo. A doutrina Cristã nos coloca não como mero expectadores da vida mundana, mas como constantes trabalhadores e criadores de nossa própria realidade.
A fé que se encontra apenas no campo do pensamento está “isolada”, Tiago afirma que se mostra a verdadeira fé partindo-se não dela, mas das obras, pois é a ação que produz a fé. “Mostra-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a fé pelas minhas obras”.
Abraão é citado na mesma epístola como uma comprovação de que a obra é que justifica a fé e não o oposto. O patriarca de Israel certamente que era visto por Deus como um homem de fé, mas qual foi a causa que fez o Senhor desobrigar-lhe de sacrificar o próprio filho? Certamente que não foi a fé no campo das ideias, mas seu próprio ato de cumprimento desta, quando estava disposto a sacrificar seu próprio filho por amor a Deus.
Esta estória bíblica com sua simbologia nos remete ao nosso cotidiano quando somos impelidos a todo instante a colocarmos em prática este arcabouço teórico da nossa fé que aprendemos nas leituras, na comunhão, exteriorizando-o em caridade e amor incondicional.
Pela fé pode-se conhecer sobre a Verdade, que é a manifestação do Cristo encarnado na figura de Jesus. Ele mesmo se mostra como a Verdade na pura ação diante do mundo e isto para Paulo é uma certeza que responde várias questões, como por exemplo, a natureza da alma humana, o sentido da existência na matéria e com certeza uma visão teleológica; uma visão de que o mundo foi criado com um determinado fim, no qual a alma está sempre a evoluir e de que cabe a todos nós confiar na sabedoria divina que permeia tudo o que existe, sempre a nos impulsionar para dias melhores.