Nós, os Espirituais

Em nosso cotidiano habitamos conscientemente em dois planos existenciais, que aliás possuem uma inegável interconexão, tratam-se da vida física e da vida moral. Diante de nós estão os objetos materiais do mundo, atestados pelos sentidos. Assim, ao vermos, ao tocarmos, ao ouvirmos, podemos dizer, eis a coisa. Por outro lado, todas as nossas relações também se estruturam diante de valores morais, que determinam antes de qualquer experiência o certo e o errado, o bem e o mal.

Mas quem determina de fato o conceito puro do que é ético ou não? Onde se encontra a fronteira entre a ação livre e ação moralmente condicionada? Talvez não seja preciso um manual para nos dizer em palavras específicas qual o modo de agirmos diante de certa situação, até mesmo porque as possibilidades são infinitas.

Existe na consciência de cada homem uma razão universal que mesmo à revelia da vontade, sempre nos faz relembrar o que deve ser feito em comparação com o que diante de uma suposta liberdade, afirmamos ser “o querer ser feito”. Na verdade, ser livre não significa tomar qualquer decisão, mas a decisão correta. Assim, para exercer a nossa tão desejada autonomia é preciso a responsabilidade no campo da moralidade, prevendo os resultados desastrosos advindos da sua negação.

Nas relações humanas estamos sempre a analisar, medir, julgar as ações alheias, de forma a tentar regular um meio termo aceitável dentro das normas vigentes. As vezes chamamos a esse tipo de controle do comportamento de moralidade, mas a partir do momento em que apontamos ou condenamos, fazemos com que toda ação moral se torne corrompida.

O homem diante do mundo habita ora como ser mundano, focado nas ações imediatas do querer, ora mais espiritualizado ressaltando a busca por valores imortais. Estamos de fato nessa balança, pendendo para cada um dos lados como numa dança meio que desordenada.

Esses delitos morais que cada um está sujeito a praticar a todo instante, numa linguagem religiosa é o que se chama de pecado, numa linguagem social é a própria corrupção. A diferença básica reside na relação do pecado com um certo julgamento da divindade e consequências futuras à moda de penas e castigos, enquanto a corrupção leva o criminoso às sanções penais.

Contudo, numa visão mais basilar no cristianismo, não como religião, mas como metafísica da vida, percebe-se que sendo o homem um Espírito imortal, toda a sua estrutura psíquica, que é o próprio ser, está num processo evolutivo constante, tendo como base todas as suas aquisições no campo da virtude, pois é o que de fato lhe confere vitalidade e poder.

O problema filosófico posto neste artigo não é o pecado de quem comete, mas o julgamento de quem observa. Pois como nós devemos nos portar ao testemunharmos alguém cometendo algo condenável, algo ilegal ou fora da lei?

Se tentarmos alinhar seus caminhos através da cólera, com acusações e gritarias, afirma Emmanuel em sua obra Vinha de Luz, psicografada por Chico Xavier, capítulo 37, que apenas atrairemos mais ira contra nós mesmos.

Se nos tornarmos impacientes e na tentativa da agressão nos propusermos a endireitar as atitudes erradas, geraremos ainda mais violência. Se acreditarmos que o errante deve sofrer o mesmo mal que causou a alguém, estaremos a distribuir a injustiça, pois não é a mesma moeda que estabelece o lugar correto para a redenção.

Ficar em silêncio também não é a melhor conduta, já que a inércia trará ainda mais asas para que o mal se concretize.

O que fazer então diante do delito de um irmão?

É preciso atentarmos que esse tipo de situação ocorre cotidianamente em nossas vidas, pois os seres humanos são assim mesmo. Não há um consenso na sociedade sobre o que é moral. Há quem pense que os fins justificam os meios e sendo em primeira instância a luta pela sobrevivência, em termos éticos qualquer ação pode ser justificada.

No agir as pessoas são muitos mais inclinadas a pensar em suas vantagens pessoais; é preciso muita maturidade para conseguir sacrificar o ego em favor de uma lei moral universal. Paulo de Tarso em sua Epístola aos Gálatas, capítulo 6, versículo 1 afirma, qual a melhor posição a ser tomada nessas circunstâncias:

“Irmãos, se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa vós, que sois espirituais, orientai-o com espírito de mansidão, velando por vós mesmos para que não sejais igualmente tentados.”

É preciso, segundo Paulo, compreendermos em primeiro plano a nossa equivalência substancial em relação aos outros. Somos feitos do mesmo Espírito e habitamos a mesma veste carnal, sendo assim, o que se passa com alguém hoje, pode facilmente ser uma experiência minha num breve futuro.

Como eu gostaria de ser observado e julgado diante de uma possível falha? E quais as verdadeiras necessidades para quem é um transgressor? A misericórdia ou a pena imposta? O Perdão, a penitência, a vida na prisão? Todas essas propostas religiosas e sistêmicas parecem não querer tratar da real questão. Como transformar o ser infrator no seu âmago? Como promover uma real mudança de sua conduta, não pela imposição, mas partindo de seu próprio querer? Infelizmente não há recursos para tais empreendimentos aqui na Terra, pelo menos não até o momento.

Os mandamentos estão expostos para todos, há quem transgrida o que se chama Lei de Deus, não aquela posta em pergaminhos, pois foram representadas por mãos humanas. Estou a falar dessa Lei inexorável que habita no coração do homem, a verdade que está lá presente desde sempre, mas que pelos motivos da ignorância o homem insiste em cerrar seus olhos.

Nós que somos espirituais, que já sabemos das fraquezas humanas e que nos encontramos na mesma condição, precisamos agir sempre pelos pilares da razão, que são: amor e mansidão. Cristo já nos ensinou que os mansos herdarão a Terra. Esses termos não significam agirmos como idiotas ou sem qualquer reação, significa antes que, vivendo na verdade singular da vida, não há necessidade de nos apegarmos a nada que seja vaidade ou ego.

Por isso Paulo nos alerta para vigiarmos nosso próprio interior, pois que a acusação é sempre um sinal de uma fraqueza interior. Em contrapartida, para toda solução nas relações humanas, existe somente uma ferramenta, a educação. Não é preciso que alguém seja um professor necessariamente, basta que exista um diálogo vital, focado, consistente e até metódico, para verificar todos os pontos problemáticos, propor uma solução teórica em seguida partir para a prática.

O maior erro não é errar, pois que nos parece plausível que o progresso individual se processa com a valorização de muitos desastres cometidos. Por isso, não se pode ser um sábio na adolescência, é preciso que o homem passe por todo o seu percalço de dificuldades no mundo ou que carregue como se diz, sua própria cruz. Somente então terá a consciência clara para discernir. Precisamos muitos mais compreender, acolher, orientar, do que continuar praticando todos os tipos de acusações como se os donos do discurso fossem os representantes da ordem moral do mundo. Sabemos que entre qualquer um nós, a diferença não está em qualquer grau de superioridade moral, pelo contrário, aquele que traz dentro de si o germe da mansidão é o mesmo que antes de julgar reconhece que a tentação de sua própria condição pode bater-lhe à porta a qualquer instante.