Estamos evoluindo?
O vocábulo “evolução” possui diversos significados dependendo do contexto em que é empregado. Do ponto de vista da astronomia, quando se refere a “evolução” de planetas, estamos a falar do movimento constante em torno de um eixo central. Quando utilizado no campo da medicina, trata-se da sucessão de fenômenos que se dão na manifestação de determinada patologia, a “evolução de uma doença”.
Uma terceira possibilidade é utilizar esta palavra no campo das transformações da vida biológica. Neste sentido, o termo “evolução” foi cunhado em definitivo na linguagem da ciência moderna devido às contribuições de Charles Darwin.
Naturalista britânico, nascido em 1809, publicou no ano de 1859 sua obra “A Origem das Espécies”, responsável por uma radical mudança na forma pela qual o homem enxergava a realidade. Antes de sua teoria, o conhecimento sobre a origem dos seres vivos baseava-se nos relatos bíblicos, nos quais todas as espécies foram criadas diretamente por Deus, durante os dias da Criação descritos na Gênese e com a mesma forma na qual as vemos hoje em dia.
Darwin realizou diversas viagens pelo mundo, observou comportamentos dos seres vivos, suas formas e diversas características físicas. Propôs então, a hipótese de que haveriam transformações nas espécies ao longo do tempo e como consequência, toda a diversidade de seres vivos que vemos na atualidade seria resultado de um longo processo no tempo e que geraria novas espécies. Mas quais são os mecanismos dessa evolução e o que ela representa?
Para explicar de forma racional suas observações, Darwin elaborou a teoria da seleção natural. De forma sucinta, os seres vivos ao se reproduzirem geram descendentes com leves alterações gênicas que podem ou não lhes conferir uma adaptação às pressões do ambiente. Como resultado, aqueles que possuem tal capacidade permanecem, enquanto os demais são eliminados. Os que ficam podem se reproduzir novamente, dão continuidade à espécie e carregam consigo a herança genética de tal adaptação.
Em uma de suas viagens às ilhas Galápagos observou certa espécie de pássaros. Alguns filhotes nasciam com o bico mais alongado e fino e em épocas de escassez de frutos em árvores, essa característica lhes conferia adaptação para capturar vermes no solo, enquanto que os demais morreriam de fome por terem um bico mais arredondado.
A evolução segundo e teoria biológica da origem das espécies não possui em seu conceito nada que seja melhora, progresso, trata-se apenas de adaptar-se para sobreviver, entretanto, a palavra “evolução” também pode ser contextualizada quando nos referimos ao aspecto moral da vida humana. Nesse sentido evoluir significa alterar o nosso estado para um degrau superior de esclarecimento, de domínio da realidade, de deveres e responsabilidades.
As relações humanas podem ser analisadas sob o prisma de seu sucesso. Existe enorme diferença quando vemos grupos de pessoas interagindo com laços de afeto recíproco, de respeito, de auxílio, de aceitação e quando vemos o oposto, disputa, ressentimentos, inveja e violência.
Nossa sociedade atual possui todas estas características, como historicamente observado, pode-se dizer, desde sempre. Segue então a questão, será que realmente estamos evoluindo moralmente ou não há nada sesse sentido? Guerras sempre existiram, a inveja sempre existiu, os vícios são descritos como parte integrante da vida humana desde a tragédia grega. E da mesma forma, grandes feitos em nome do amor foram relatados na história. A tecnologia atual facilita a vida, traz conforto, alivia as dores, permite a comunicação imediata, encurta as distâncias, mas não penetra na edificação do caráter.
Viver com mais qualidade de vida não significa também evolução, pelo menos não da forma como entendemos, como poder de consumo para uma vida cada vez mais artificial. No início da revolução industrial a maioria da população mundial vivia no campo e foi atraída para os centros urbanos justamente com a promessa de uma vida melhor, mais feliz, mais evoluída. Mas será mesmo que isto representa um certo grau de evolução?
Quem vive hoje nos grandes centros urbanos tem qualidade de vida? De que tipo? Pois verificamos atualmente um movimento oposto, de pessoas que não veem o momento de organizarem suas vidas e para se mudarem para o interior ou para o litoral, em busca de um estilo simples, menos consumista e mais próximo da natureza.
De fato, não há como relacionar qualquer mudança tecnológica com evolução moral ou da condição humana; podemos certamente estar no mesmo patamar evolutivo que a humanidade há 500 anos atrás. Aliás, à época da idade média valores morais eram principais na vida e na educação de qualquer pessoa. A figura de Deus como símbolo do absoluto, do bom, do fundamento, era algo cultural, a virtude e valores como honestidade, tolerância, compaixão faziam parte de uma estrutura psíquica condizente com um modelo de homem a seguir.
E nos dias atuais, será ainda temos os mesmos valores? Pois para muitos Deus não existe mais, o valor máximo da vida é o dinheiro, felicidade é viver sozinho, sem filhos e focando todas as suas energias no próprio sucesso profissional. O ser humano no mundo contemporâneo é cada vez mais sozinho e suas relações são líquidas, ou seja, sem a capacidade de perdurarem no tempo, justamente porque não se vê o outro mais como um semelhante, nem como uma consciência de si, mas somente como um objeto que se não for útil poderá facilmente ser descartado.
Por outro lado, há 500 anos atrás sofríamos com a escravidão, era algo normal, dominar outro ser humano, retirar-lhe sua liberdade para que lhe sirva durante uma vida inteira. Felizmente, pelo menos do ponto de vista legal, tal prática não existe mais no mundo. Também não existiam os direitos humanos, as constituições atuais, os sistemas de governo eram em sua maioria monárquicos e autoritários e hoje em dia temos a possibilidade de experimentar a democracia.
O que dizer do reconhecimento da mulher na sociedade há 500 anos? Eram objetificadas mais do que nunca, serviam apenas para a reprodução e não tinham acesso à política, à vida pública em geral, muito menos à mesma educação que os homens.
Felizmente, pela luta de muitos, ao longo de décadas, muitas conquistas foram feitas. Não se pode negar que houve um avanço considerado em determinadas áreas. Existem importantes contrapontos a esses avanços, a destruição do meio ambiente, a indústria bélica mais forte do que nunca e capaz de pulverizar um país inteiro com armas nucleares, a ameaça de uma guerra eminente é constante sempre, não se pode negar.
Em suma, colocados na balança os prós e os contras podemos afirmar com certeza que estamos evoluindo, em termos espirituais? Difícil responder se tomarmos como base um tempo restrito. Dois mil anos de história são suficientes para examinar as mudanças morais da humanidade? Se nos distanciarmos para o passado mais de 5 mil anos a partir do presente estaremos no início da criação da linguagem escrita, antes disso não temos registro algum. Mas podemos supor com certa exatidão que há 1 milhão de anos atrás, quando éramos ainda Australopithecus afarensis, com certeza não tínhamos a condição atual. O mais provável é que o ser humano continue ainda por milhares de anos na mesma percepção moral. Não que não haja a possibilidade de evoluir, mas ainda não encontramos a alavanca espiritual necessária para esse salto.
Podemos ficar estacionados nessa condição, se quisermos indefinidamente, mas não podemos jamais utilizar a desculpa de que não sabemos para onde ir, pois já possuímos as escrituras, os profetas, Moisés, Cristo, filósofos, teólogos, psicólogos, educadores, muita gente de boa índole disposta a lutar pela transformação da humanidade. Há quem acredite que a vida não tem um sentido pré-estabelecido e que qualquer postura é válida para se habitar no mundo. Há também quem perceba que existe uma ordem no cosmos e uma ordem dentro do Espírito que o dirige sempre para o progresso de si mesmo. Assim aprimoramos nosso entendimento, nossa razão, nosso bom senso, nossos sentimentos, nos tornamos mais justos, aprendemos a dizer não ao que é errado e então damos a nossa contribuição para que a humanidade inteira também adquira a mesma condição. É a vontade quem comanda todo o processo, precisamos mesmo é nos ater ao que realmente queremos: evoluir, progredir, melhorar a cada dia ou permanecer na inércia da cegueira mental.