Sobre a tolerância
Um exame minucioso nos processos naturais nos permite enxergar a tolerância em todas as obras divinas. Conforme elucida Emmanuel, Espírito mentor de Francisco Cândido Xavier, em sua obra Pensamento e Vida, capítulo 25, tudo na ordem do mundo está a suportar continuamente o fardo alheio, como uma grande máquina, cujas engrenagens trabalham arduamente em conjunto, carregando as necessidades de cada uma das partes, para que o progresso do todo possa se estabelecer.
Diante da vida atribulada em que vivemos, as necessidades pessoais quase sempre se mostram mais importantes do que as coletivas. E se dermos vazão a essa lógica, o egoísmo poderá abafar a presença da tolerância. Pois que acharemos um caminho de justiça em não suportar as misérias alheias. De forma enganosa, acharemos que será uma afronta aos nossos direitos pessoais.
Contudo, a tolerância nos mostra que nossos caprichos são apenas ilusões de uma mente ainda infantil. Pois na ampla rede de interdependências que temos uns com os outros, em primeiro lugar deve vir o progresso de todos. Os graus de iluminação de cada um são bem diversos; para que haja harmonia nas relações, aceitações das diferenças e o exercício da real justiça, que é a caridade, faz-se mister incorporarmos em nossa conduta, a docilidade da tolerância a cada instante.
Emmanuel afirma também que a tolerância está na base de todo o progresso humano. Importante meditarmos sobre essa afirmação, examinar se realmente faz sentido. O oposto da tolerância é a revolta, a exacerbação, o juízo. E certamente não há uma pessoa sequer que possa nos convencer de que nos tornamos pessoas melhores exercendo tais condutas. Na significação mais precisa da tolerância devemos encontrar a negação de qualquer violência. Assim, antes de arrumarmos desculpas diante das nossas explosões emotivas, precisamos de uma força interior que nos conduza a negar qualquer violência não importam os ímpetos que venham a eclodir dentro de nós. O ser humano é um ser ético por natureza. Já passamos da fase de lutarmos somente pela sobrevivência e reprodução, portanto é nessa luta psíquica para nos aperfeiçoarmos eticamente que devemos nos convencer do que nos é realmente um dever.
O mundo com toda a sua agressividade somos nós mesmos, não há diferença. Então quando racionalmente me nego a praticar a violência, imediatamente uma porção da realidade também se transforma.
Tolerar não significa somente suportar, no sentido de aguentar. É preciso que haja certa compreensão; sobre a condição das pessoas com as quais nos relacionamos. O direito do outro em pensar com sua própria cabeça é inalienável, por mais estúpido que nos possa parecer. Quem garante que nosso ponto de vista é o absoluto? Quem pode exigir que os outros pensem da mesma forma que nós? Isso seria certamente um capricho infantil de nossa parte, quando na verdade, o oposto deve operar, uma abertura para nos adaptarmos à precariedade do mundo, com a finalidade de contribuir para a sua edificação.
Tolerar aquilo que nitidamente vemos como errado para muitos parece ser uma conduta equivocada. Presenciar um delito e nada fazer, testemunhar um crime e se omitir. Não se trata da pura passividade, tolerar não é abraçar a ignorância. Mas quando refletimos todo o mal para dentro de nós, quando nos colocamos na situação de vítima, o perigo é iminente. Pois, aquele que se sente prejudicado geralmente pretende se utilizar dos mesmos meios levianos para alcançar uma certa compensação pelo mal recebido. Para fazer justiça, muitos são capazes de cometer os mesmos erros, justamente quando a tolerância é esquecida e o excesso de ódio confunde a justiça com vingança.
Não há cumprimento da Lei de Deus por outros meios senão através da santificação da tolerância. Cristo quando foi julgado pelos homens, não se exaltou. Conforme Emmanuel: “humilhado não se entregou aos revides; injustiçado não se defendeu; sentenciado à crucificação soube perdoar”. Eis o exemplo vivo de como devemos proceder, sem jamais titubear.